domingo, 29 de novembro de 2009


DE(U)SAPARECER


Embriões atados a molas insólitas de extasiados humanos,

Estranhos seres do asfalto repugnante

Que destroçam sem piedade instintos e caminhos

Por uma sombra que os protejam do sol.


No mais profundo dos contrastes,

(Engomado e olhando de lado)

Usufruí pela primeira vez do meu mundo ilusório

Admitindo a partir de então que não era d(D)eus,


Este d(D)eus do mundo de sonhos,

Sonhos castrados em segundos;

Este d(D)eus atrapalhado e pisado,

Desanimado e com vermes nos olhos.



NÃO QUERO FRASES FEITAS


Formulação da palavra.

A cabeça gira,

Palavras formarão frases.

De tanto girar,

Começam a sangrar.

Todos os orifícios faciais

Experimentam agora

A deliciosa sensação

De empíricas cachoeiras.


Um vulto torna a formulação da palavra

Algo assustador,

De forma que a cabeça girará

E da boca sairão frases

Formadas de palavras,

Todas cuspidas da mesma boca,

Transformando as paredes

Em belos quadros

Pincelados de vômito.


A loucura ignora a formulação da palavra

E a faz chorar,

Molhando as palavras mal formadas

Que estragam as frases

E causam aftas por toda a boca,

Até que surge um daqueles

Que manda sal nas feridas,

Para que dela brotem, por instantes,

Rosas de carne rosadas.


sexta-feira, 13 de novembro de 2009


O MENDIGO NO OUVIDO DO MENDIGO:


"Até onde me entendo

Até ontem me entendia;

Até tarde da noite

A espera que pulsou

(A espera pulsando),

As horas correndo

Ao encontro do que

Nem se sabia existir...


Ainda hoje me entendo:

O canalha,

O viciado,

Perdido,

Lacaio do sistema,

O mendigo

Pedinte

De sempre...


Amanha é o desafio

Do entendimento

De pelo menos o meu ser,

Aquele que me conduz

Entre estes bilhões que sou,

Entre estas montanhas sonhadas,

Entre estes ventos

Que resfriam o corpo."



... e o poeta disse ao outro, num bar em madureira:


"Um estampido tão perto assim, nem adianta disfarçar: a linha de tiro é logo ali. Logo ali entre os homens, mulheres, crianças e suas casas. A chegada do trabalho, a volta da escola, o tormento destes hospitais, a obscuridade sorridente dos seres humanos tão corajosos quanto medrosos. Mais um dia que se vai e estas balas espalhadas que sempre encontram alvos perdidos aceleram o meu desejo de buscar alguma paz daqui longe demais.

Queria ver o sol de um lugar mais amplo, namorar à luz da lua... Queria descobrir formas nas nuvens carregadas da bendita chuva com meus pés descalços a deslizar pela lama repleta de seres imaginados pelos instintos, libertos de suas algemas. Queria um mergulho nas águas do rio, a temperatura divina equilibrando minhas energias e a sensação de ser um glóbulo naquele sangue que escorre pelas veias expostas e ainda não destruídas daquela cadeia de montanhas.

Já fechei em mim alguns olhos cegos e reparti os restantes entre meus famintos versos e alguns instantes calados. Um pleno mistério esgueirou-se pelo muro que eu construía e num instante de fúria o que se encontrava de pé bateu com os joelhos no chão e tombou, cabeça no esgoto. Fechei para mim algumas portas e outras abri, menos mortas, que de morte já me basta aquela do futuro inesperado."